Mesmo antes de entrar no mérito das palavras ditas por Patricia Anastassiadis, é importante que se sublinhe a maneira como ela as pronuncia. Com uma história profissional que completa 30 anos de sucesso, o tom de voz da arquiteta mescla serenidade e humildade; paixão pelo ofício e orgulho do que foi entregue até aqui. A começar pela inauguração, em julho do ano passado, com altíssimo valor sentimental, de uma obra que evoca diretamente tanto as raízes gregas da família paterna como o convívio diário com o marido Nicolaos, outro grego: a arquitetura das áreas comuns e suítes do Hotel Patmos Aktis, no Dodecaneso, grupo de ilhas gregas no leste do Mar Egeu.
“Esse projeto tem um significado especial sim. Primeiro porque meu pai é grego, depois porque é meu primeiro projeto na Grécia, justamente em um lugar onde vou todos os anos e me sinto em casa. Patmos sempre foi meu refúgio.”
Patricia também ganhou manchetes internacionais nos últimos anos ao vencer a concorrência para a arquitetura de interiores de um ícone da hotelaria francesa, no litoral sul do país, o Hotel du Cap – Eden Roc, da Oetker Collection. No Brasil, em sua vertente de atuação no universo hoteleiro, destaque para a arquitetura do Fairmont Copacabana, no Rio de Janeiro, e a arquitetura de interiores do Palácio Tangará, em São Paulo.

Entre as premiações, ela recebeu este ano o IF Awards pela mesa de jantar Versa, desenhada para a Artefacto, marca para a qual cria coleções desde 2018; e, no ano passado, o Liv Design Awards, na categoria Architectural Design Hotel (Luxury) pelo Kempinski Residences (Serra Gaúcha).
Na entrevista a seguir, Patricia fala sobre a origem grega e polonesa, como se decidiu pela profissão (já que o sonho era ter feito moda) e esmiúça como consegue fazer a diferença para emplacar projetos muito concorridos mundo afora. “Faço uma dança entre o passado e o futuro; o clássico e o moderno. É importante o diálogo [de estilos] – não o confronto.”
Qual é a ascendência dos seus pais e o que eles faziam na ocasião do seu nascimento?
Patricia Anastassiadis – Meu pai [Stefanos] nasceu na Grécia e imigrou para o Brasil com 12 anos de idade. Minha mãe [Dora] é filha de poloneses e nasceu no Brasil. Meu pai se formou em administração, mas acabou entrando na confecção que meu avô montou quando veio da Grécia. A minha mãe fez direito, estava trabalhando como advogada, mas o sonho dela era ser estilista. Então, uniu o útil com o agradável. A fábrica era no Bom Retiro, Fé Modas – era para ser Fém, do francês [feminino], mas ficou Fé. Começou na Rua dos Italianos, depois cresceu e foi para a Matarazzo.

Você tem lembranças dessa fábrica?
Nossa, muitas. Eu brincava lá. Eu e meu irmão mais novo [Eudoxios]. Lembro de patinar no meio dos tecidos, da conversa com os funcionários, daquele vapor subindo, do barulho de máquina de costura, dos manequins. Ia na modelagem, no almoxarifado, tinha um mundo de botões – eu amo botão. Era meio que um Playcenter. Ficava vendo a minha mãe montar os boards de inspiração, discutindo detalhes, caimento… Até os 7 anos, eu morava perto da fábrica, no Bom Retiro, depois mudamos para um prédio clássico em Higienópolis.
Viajar também foi importante na sua formação. Recorda sua idade nas primeiras viagens?
A partir dos 10 anos, começamos a viajar e eu fui para a Grécia pela primeira vez. Eram viagens anuais. Meu pai falava: “Tudo o que eu puder gastar com cultura e viagens, vocês vão ter. Depois, não me peçam mais nada. Minha herança para vocês vai ser a miséria!”, ele brincava (risos).

Quando jovem, o que você imaginava que faria na vida adulta?
Moda, moda, moda. Não tinha dúvida de que eu ia fazer estilismo. Eu já respirava moda com a minha mãe, a acompanhava em viagens para fora, entendia de tecidos… Mas, na hora do vestibular, não tinha uma faculdade de moda de peso no Brasil. Pensei em estudar no exterior, mas meu pai falou:
— Primeiro faça uma faculdade no Brasil, depois você sai para uma especialização.
Foi ele mesmo quem sugeriu a arquitetura, dizendo que muitos estilistas fizeram tal curso, pois tem uma relação com proporção, além de outras coisas em comum.

Você aceitou a sugestão numa boa ou ficou de cara amarrada?
Assim que comecei o curso, a faculdade [Mackenzie], eu falei:
— Putz, gostei.
Uma coisa que me fisgou foi o fato de a arquitetura ter uma relação mais perene – não se trata de uma troca tão rápida. A moda tem mais descarte.
Existe algo desde o tempo da sua formação universitária que siga sendo importante até hoje na profissão?
Tento manter viva até hoje a curiosidade sobre diversos assuntos e materiais. Não existe um assunto ou um material de que eu não goste. Não tenho preconceitos. Acho que esse processo de vida, de estar sempre curiosa, é algo do tempo da faculdade, quando tudo era uma descoberta.

Você tem uma trajetória profissional curiosa: mal saiu da faculdade e já conseguiu um grande projeto…
Sim, antes, eu só tinha feito um estágio obrigatório na Mercedes-Benz. Meu primeiro projeto nasceu de um encontro fortuito e absolutamente inesperado. Eu estava em uma loja e encontrei uma conhecida no provador ao lado… Aí, começamos a conversar e ela falou que estava abrindo um restaurante com uma amiga. Todas com a minha idade, 21 anos. Perguntei se ela já tinha um arquiteto, ela disse que não, e eu sugeri o João Armentano. Ela respondeu que não tinha dinheiro para contratar o Armentano e já emendou perguntando se eu não tinha feito arquitetura. Avisei que tinha me formado havia três dias! (risos) Ela falou: “Por que você não faz?”. “Eu? Tá bom!”, falei.

E, pelo jeito, deu certo…
Essa moça era sócia da Roberta, filha do Roberto Suplicy [Bar Supremo]. Ele queria inserir a filha na área dele. Então, delegou à Roberta a escolha de um arquiteto para engajar a filha no processo do restaurante. Mais tarde, Roberta volta para casa e fala para o pai: “Achei a arquiteta!”. Ao mencionar o meu nome, Roberto diz que nunca tinha ouvido falar e perguntou o que eu já tinha feito. “Nada. Acabou de se formar…”. Pronto, aí começou uma briga na casa! (risos) Quando apresentei o projeto, os dois gostaram e fechamos negócio. No meio do trabalho, o engenheiro abandonou a obra. Então, tive que tocar a obra e terminei o restaurante em um estresse maluco. Em pleno caos, um dia aconteceu uma cena épica para mim: olho para a porta do restaurante, no pôr do sol, e vejo uma silhueta no meio do pó. A pessoa foi se aproximando, e reconheci: era o [arquiteto] Ruy Ohtake, amigo do Roberto, que tinha aparecido para dar uma olhada no projeto – mostrei a forma como havia desenhado e ele elogiou o que viu.
O trabalho todo durou nove meses – foi uma gestação, e, no final, um sucesso. Nascia assim o restaurante Filomena. O chef era um rapaz que estava chegando de Londres, Alex Atala. Abrimos dia 9 de janeiro de 1995 – desde então, não parei mais de trabalhar com meu escritório próprio.
Quais são suas referências na arquitetura?
Acho que o [japonês] Tadao Ando [82 anos] é genial. O trabalho tem luz, sombra, sensibilidade – é maravilhoso. E dizer que gosto não quer dizer que me baseio nele – é só admiração. O [italiano] Carlos Scarpa [1906-1978] tem um trabalho muito delicado, de detalhes… Até a portinha de um quadro elétrico dele parece uma obra de arte. O [norte-americano] Frank Lloyd Wright [1867-1959] não estou dizendo que é uma linguagem que eu use, mas o cara desenhava tudo: a casa, a cadeira, a mesa… Gosto também do [estoniano] Louis Kahn [1901-1974], da [ítalo-brasileira] Lina Bo Bardi [1914-1992]…

Qual é a sua inspiração para a coleção da Artefacto deste ano?
A coleção mais recente é a Ver – primavera, em latim. A referência está conectada à natureza. É possível identificar nas peças sementes, insetos e outros aspectos. O ponto é que eu não gosto de descarte. Minha tentativa é criar produtos que atravessem o tempo, móveis que passem de geração para geração. Por isso, para a Artefacto, procuro sempre criar diálogos entre coleções – a ideia não é você chegar à sua casa e jogar tudo fora para receber uma nova coleção de mobiliário.
Você desenhou diversos restaurantes, fez muitos bancos e atua há décadas com hotéis. Qual foi seu primeiro?
Foi o Club Med de Trancoso, em 2002. Sempre gostei de viajar, e admiro o hoteleiro. A partir daí, desenvolvi muitos projetos para redes: Hilton, Grand Hyatt, Four Seasons, St. Regis, Marriott e outras.

Qual foi o seu diferencial para vencer a concorrência do Hotel du Cap-Eden-Roc, na França?
Trata-se de um ícone. Fiquei feliz só de ter sido convidada para participar da concorrência. Eles conheceram meu trabalho pelo projeto que fiz para o Palácio Tangará [também da Oetker Collection; 2017]. Do Brasil, só o nosso escritório foi chamado. Os outros convidados eram muito grandes. Mas vou te falar o que ganhou: a ausência de ego. Não conhecia o hotel, mas conhecia a região e a luz do lugar – na infância, fui algumas vezes.
Ao entrar no hotel, pensei: “Meu Deus, como é que preservo isso aqui?”. Outros arquitetos preferem deixar a sua marca – a minha forma de projetar arquitetura é entender o local: os materiais, os artistas, a alma do lugar. Então, meu projeto respeitou o que havia sido pensado antes e os 150 anos de história do hotel. Prefiro não apagar o passado. Acho que arquitetura, interiores e design é tudo sobre harmonia.

Chegar aos 30 anos de carreira e ser chamada para remodelar os interiores do Hotel Patmos Aktis tem um significado especial…
Tem, muito. Primeiro porque meu pai é grego, e é o meu primeiro projeto na Grécia. Me sinto em casa nesse hotel, pois vou todo ano, nos últimos 12, 13 anos. Era o meu refúgio – não queria que ninguém achasse (risos). Nunca imaginei trabalhar lá. Mas um fundo comprou o hotel, reformaram, encomendaram um quarto protótipo – e não gostaram. Daí, ficaram sabendo do meu trabalho, que sou hóspede, e vieram conversar comigo.
O processo como um todo foi muito bonito… Pode parecer bobo te contar isso, mas receber as plantas em grego, ter reunião em grego com um arquiteto local… Parecia que eu estava voltando à infância. Difícil explicar a sensação. Eu ria sozinha, eles perguntavam: “Você está rindo do quê?”. E eu pensava: “Tô rindo porque todo mundo lá lembra o meu pai”. O grego é bem passional e mais estourado, sabe? Escutava as expressões, os diálogos, as brigas, as discussões… Eu falava: “Gente, estou em casa”.

Seu filho Felipe trabalha com você como arquiteto. Tal talento surgiu cedo?
Ele tem um talento desde pequeno, desenha pessoas muito bem. Ele desenhava sem tirar o lápis do papel, e não apagava. Achei que ele fosse fazer artes plásticas. Adolescente, chegou a falar que queria ser psicólogo, mas, ao crescer mais, começou a falar de arquitetura – e eu nem dei muita pelota. Ao insistir na ideia, perguntei se era isso mesmo que ele queria – e ele disse sim. Prestou, passou, fez faculdade e, hoje, no escritório, ele adora fazer residencial, algo que fiquei por muito tempo sem fazer.

Quais são suas cidades favoritas no mundo do ponto de vista arquitetônico?
Veneza eu amo – é uma coisa meio séria. Às vezes brinco com minha agente: “Preciso ir pro Chile, não dá pra passar por Veneza?” (risos). Também gosto de Tóquio e adoro Istambul, o sul da Espanha… Gosto muito de Atenas, mas aí não é novidade nenhuma, né?
Tem algum hobby?
Tocava piano – e agora vou voltar. Voltei também para o yoga e para o pilates.
Além do escritório de arquitetura, você teve outros negócios. O que acha fundamental para um empreendedor se dar bem?
Coragem. Em seguida, resiliência e foco.